Conta o povo que havia em Altos, nas proximidades do bairro Batalhão, uma mulher que virava porca e saía pelas ruas da cidade atormentando os moradores.

O feitiço teve origem assim: ela era ainda criança quando foi “pegada pra criar” por seu cunhado, que era também seu padrinho de batismo. Em sua casa, ia ajudar a cuidar do resguardo da irmã, que esperava uma criança para dali a poucos meses.

Sendo já mocinha formada, o cunhado começa a assediá-la, tendo a mesma se rendido a suas indecorosas propostas e com ele mantido um duradouro relacionamento amoroso. Por conta disso pegou a maldição de virar bicho.

Um popular de nome Domingos conta que certa noite foi perseguido por uma enorme e furiosa porca preta nas imediações do bairro Batalhão quando se dirigia para sua residência. Acuado, lembrou-se de um punhal que trazia à cintura e com ele furou o animal à altura da pá dianteira. No dia seguinte, sabedor que a dita mulher se transformava naquele bicho horrendo, foi propositadamente conferir o que se dizia e verificou que ela apresentava um curativo no mesmo local em que ele desferiu o golpe na “pantarma” da noite anterior.

Outros contam que quando se aproximava a hora da transformação, ela era trancada em um quarto da casa, e por boa parte da noite se ouviam gritos e uma barulheira tremenda; as paredes do quarto ficavam todas arranhadas, demonstrando, assim, a violência e a luta do animal, debatendo-se vertiginosamente contra si mesmo.

Dizem que seu cunhado também tinha a maldição de virar lobisomem nas noites de lua cheia, de quinta para sexta-feira, e há alguns que testemunham tê-lo visto perambular pelas ruas da cidade, à noite ou nas horas mortas da madrugada, vestido em uma mortalha preta, como pagamento de uma penitência que lhe foi imposta pelo padre da cidade, a fim de expiar o pecado cometido.

Baseado na lenda, o metalúrgico e servidor público estadual Ademir Reis, hoje residente em Teresina, e na época estudante do Ensino Médio na Unidade Escolar Pio XII, escreveu em 2006 o folheto A moça que virava porca, narrado em versos de cordel, com a colaboração e orientação da professora Quinha Costa.

Utilizando um tanto de ficção, o autor não descreve a história com as características acima apresentadas, mas associa seu feitiço à devassidão mundana, descrença religiosa e paixão (não correspondida) pelo sacerdote da igreja católica local. Por sua conduta imoral, teria a jovem atraído muitas mazelas para a população, como uma praga originária da presença daquela besta fera, semeando doença e morte no meio do povo.

Ao fim do folheto de 08 páginas com 32 estrofes no todo, a jovem amaldiçoada, após tanto fazer, vai pedir perdão ao padre pelo mal cometido. Assim descreve o autor a cena final:

E assim aconteceu
Com muitos dias na frente
Na hora da procissão
Veio a porca indecente
No meio da multidão
Que fez correr toda gente.

Foi aí que o Padre disse:
- Pode se aproximar.
Ela foi se ajoelhando
E começou a chorar
Disse ele: - Te arrepende,
Que eu vou te perdoar.

Ela chegou a seus pés
Com os seios todos de fora
Ele lhe cobriu com o manto
Da Virgem Nossa Senhora
E disse: reze comigo
Que vou salvá-la agora.

Começou todos rezando
Naquela ocasião
Com dez minutos depois
Terminando a oração
O padre descobre a porca
E ela está feita em cristão.

Ela aí levantou-se
Chorando arrependida;
Com aquele mesmo manto
Ela ficou envolvida
E jurou nunca mais
Fazer tal coisa na vida.

Pode até haver outras versões da lenda, mas foi assim a maneira como tive conhecimento de mais uma dessas ‘estórias’ que o povo conta.

Por Carlos Dias, professor e pesquisador/Portal Altos