Essencial na mesa da família brasileira, o arroz disparou nos supermercados brasileiros, sobretudo nas últimas semanas. Um pacote de cinco quilos, normalmente vendido a cerca de R$ 15, chega a custar R$ 40 na gôndola. 

Levantamento feito pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, mostra que a alta do arroz chega a 100% em 12 meses. E não há alívio no bolso no horizonte. Produtores e especialistas dizem que os preços devem continuar subindo nos próximos meses.

Bolsonaro pediu "patriotismo" aos supermercados 

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro pediu "patriotismo" aos supermercados para segurar os preços de itens da cesta básica. "Estou pedindo um sacrifício, patriotismo para os grandes donos de supermercados para manter na menor margem de lucro", disse. 

Em resposta, a Apas (Associação Paulista de Supermercados), informou que os aumentos são "provenientes dos fornecedores de alimentos, que são provenientes de variáveis mercadológicas como maior exportação, câmbio e quebra de produção".

De fato, os supermercados são apenas a ponta da cadeia. O encarecimento do arroz vem das etapas anteriores. Segundo a Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), o produto comprado dos produtores pelas indústrias ficou 30% mais caro só em agosto. 

Assim como outros produtos da cesta básica, como óleo de soja e feijão, a alta do arroz está ligada à valorização do dólar, que torna as exportações mais lucrativas aos produtores.

Além disso, a safra de arroz neste ano caiu, ao mesmo tempo em que a demanda interna pelo produto cresceu durante a pandemia do novo coronavírus. "Com o isolamento, as famílias passaram a consumir mais cereal, num ano de menor oferta, então o preço foi subindo", afirma Ivo Mello, diretor do Instituto Rio-grandense do Arroz (IRGA).

Dólar alto favorece exportações 

O principal motivo da alta de preços do arroz é o dólar, de acordo com o economista Fábio Silveira, da RC Associados. "Embora o dólar tenha mostrado alguma redução nas últimas semanas, a média ainda é muito alta em relação ao ano passado", disse. Isso faz com que muitos produtores prefiram exportar, ganhando em dólar, a vender arroz no mercado interno. 

As exportações de arroz beneficiado saltaram 260% entre março e julho deste ano, para 300 mil toneladas. Para piorar, também houve redução de 59% nas importações do produto no período, para 48,3 mil toneladas. O resultado da balança comercial levou a uma menor disponibilidade do arroz no mercado doméstico.

Medida para aumentar importação foi barrada

Na semana passada, o setor se reuniu para discutir a Tarifa Externa Comum (TEC) do arroz, que implica a cobrança de uma taxa de 16% sobre o arroz importado do Mercosul. 

Se a tarifa fosse revista, a quantidade de arroz no mercado interno poderia aumentar, levando à queda dos preços.

Mas o comitê que decide a questão, composto por produtores, indústria, cooperativas e governo, barrou a medida, com 16 votos contrários, seis favoráveis e uma abstenção.

Demanda internacional pelo arroz brasileiro 

Não foi só por causa do dólar que as exportações aumentaram. O arroz brasileiro também passou a ser mais buscado no mercado internacional durante a pandemia. 

"A pandemia tirou o excedente de outros países produtores, como Índia, Tailândia e Vietnã, e houve um desabastecimento do mercado internacional. Esses países tiveram dificuldade ou pararam de vender seu produto no mercado externo, enquanto o Brasil exportou bastante entre maio e junho." Ivo Mello, diretor do Instituto Rio-grandense do Arroz (IRGA).

O arroz brasileiro também passou a entrar em novos mercados, segundo ele, como o mexicano, que vinha sendo prospectado há dois anos pelo setor. 

José Mathias Martins, presidente da Cooperativa Arrozeira Palmares, de Palmares do Sul (RS), também destaca a demanda externa maior. "Os países asiáticos pararam de exportar, e os Estados Unidos, maiores exportadores das Américas, estavam sem produto. Então houve alta na procura pelo arroz brasileiro", disse.

A Palmares produz 1,5 milhão de fardos por ano e, nesta safra, vai aumentar 10% o volume de beneficiamento do arroz em função da maior procura pelo alimento.

Produção no RS caiu nos últimos anos 

Responsável pela maior parte da produção brasileira de arroz, o Rio Grande do Sul plantou 930 mil hectares de arroz na safra de 2020, área 15% menor que na safra anterior.

A produção gaúcha, de 9 milhões de toneladas no ano passado, caiu 19%, para de 7,3 milhões de toneladas em 2020. Quase 60% da safra deste ano já foi colhida.

Mello diz que a área plantada caiu porque fazia cinco anos que o preço do arroz estava muito baixo. Por isso, os produtores optaram por outras culturas, como a soja. 

A cadeia produtiva gaúcha diminuiu de 9.000 para 6.000 produtores em um período de dez anos, de acordo com Martins, que defende o aumento de preços.

"Essa readequação de preços atual é necessária para a cadeia produtiva." José Mathias Martins, presidente da Cooperativa Arrozeira Palmares

Estoques despencaram 80% em dez anos 

A quantidade de arroz armazenada entre uma safra e outra, os chamados estoques de passagem, vem diminuindo nos últimos anos, contribuindo para o aumento de preços. 

Há uma década, o volume de arroz guardado na entressafra era de 2,5 mil toneladas, índice que caiu 80%, para 500 toneladas na temporada atual, segundo dados do IRGA. 

"Ao mesmo tempo em que o estoque de passagem caiu, em função da redução de área do setor, principalmente no Rio Grande do Sul, o consumo de produtos da cesta básica aumentou com a pandemia", disse o produtor Elvio Marques, de Dom Pedrito (RS). 

Preço deve continuar subindo 

Marques diz que, nos próximos meses, o clima deve se somar aos fatores que estão pressionando os preços do arroz nos supermercados. "Não podemos deixar de citar a pouca chuva, que deve afetar a produção. Os açudes estão muito baixos e, com isso, os reservatórios não encheram, gerando uma expectativa de menor produção para 2020/2021", disse.

O economista Fábio Silveira concorda

"Oferta, demanda, clima, câmbio e entressafra: aquilo que é alta de preços no atacado, por causa desses fatores, em alguma medida começa a ser repassada para o consumidor. É o que vai ocorrer no segundo semestre de 2020. A expectativa é continuar aumentando." Fábio Silveira, economista.



Fonte: Bruno Cirillo/UOL