Elenita Pereira dos Santos, ou Lemita, segundo a boca do povo, nasceu em 14 de agosto de 1938 em Porto de Marruá nos arrabaldes de Barras, no Piauí. Após viver a experiência de um casamento e dessa união ter lucrado seus dois filhos, Lemita, não se ajustando à clausura que a vida dos casados proporciona, rebela-se e escapole de mala e cuia com o propósito de ganhar o mundo. Para ela, como para Don Quixote, “nasceu livre e para poder viver livre, escolheu a solidão”.
Não havendo outra forma de sobreviver, não sem vontade, em meio ao arrastar dos tempos provincianos da década de 1960, ingressa na prostituição, atividade que, com uma medida imódica de orgulho e nostalgia, afirma jamais ter se arrependido.
Percorrendo a pé, em boleias de caminhão ou como Deus lhe provinha, todo o norte do Piauí e boa parte do estado do Maranhão, a convite de uma colega, Lemita descamba pras bandas de cá onde se aloja e passa a viver no Vai Quem Quer (que mais tarde viria a se tornar o Queimadinho), o cabaré do momento e motivo dos versos de Zé da Prata.
Adaptando-se e tomando gosto pela cidade (e pela coisa), não demorou até que conseguisse um terreno onde construísse uma casinha que, tempos depois, se tornaria seu famoso e não menos frequentado cabaré: o Cabaré da Lemita: palco de inúmeras agitações entre 1970 e 1980 dentre elas a invasão dos filhos da nobreza altoense (medíocre como sempre, sebosa como nunca): os Mariposas.
Os Mariposas, nome que, sabe lá Deus qual sua motivação, até os dias atuais constituem um assunto arriscado, além de obscuro ou obscurecido: trata de um grupo de jovens baderneiros ligados a algumas famílias tradicionais da cidade e que, em meados da década de 1970, foram responsáveis por um verdadeiro assombro em todo o município e que, pela sua origem familiar “Ninguém podia dizer ou fazer absolutamente nada. O melhor era cerrar as portas e tapar os ouvidos para não ouvir as asneiras que eram ditas e as músicas extremamente desafinadas que eles cantavam, depois de atordoados pela maconha e pelo álcool. O delegado recebia muitas reclamações, mas não tinha nenhum poder para investigar contra os perturbadores da ordem pública”. (RODRIGUES, Toni. 2004, P. 21)
O certo é que por esse período, certo dia, alguns deles chegaram tarde da noite ao cabaré da Lemita já fechado. Algumas poucas mulheres dormiam, inclusive dona Lemita quando arrombaram a porta a chutes e a bala, ameaçaram a velha cafetina com um facão que lhe encostavam ao pescoço, e o tempo inteiro lhe pediam bebida. De sorte que um deles, que era assíduo frequentador, deu conta de que já haviam excedido todos os limites do abuso e convenceu os demais a se retirarem, mas que afirma dona Lemita, terem sido os piores momentos de sua vida.
De tão delicado não se sabe ao certo onde começa a ficção e onde termina a realidade, sabe-se, porém, que os ditos Mariposas eram “filhos das oligarquias reinantes que se reuniam à noite para andar pelos bares da periferia e espancar casais de namorados e velhos indefesos; alguns, mais afoitos, chegavam a praticar assaltos, tomando dinheiro de suas vítimas indefesas para custear maconha e cachaça, que utilizavam durante a madrugada inteira em luaradas na praça da matriz, movidas a violas e cantorias que perturbavam a todos”. (RODRIGUES, Toni. 2004, P. 21)
Suas práticas continuaram por algum tempo e só teriam acabado após um violento assassinato atribuído a eles e que teria ocorrido nas imediações do açude do bairro Tranqueira. Ao que se dizem, após o homicídio, os jovens teriam levado o corpo da vítima para a BR 343 e lá teriam passado várias vezes com o carro sobre o defunto a fim de simular um atropelamento.
Não se sabe ao certo, o desenrolar desse crime, mas conta-se da prisão (por outras motivações) de dois deles, filhos de ex-prefeito, tidos como os mais violentos e que, na cadeia teriam comido o pão que o diabo amassou enquanto o velho pai mostrava-se indiferente à situação por algum tempo. O certo é que dessas histórias entre fatos e suposições, dona Lemita Recorda com uma dose substancial de mágoa e rancor.
Por Rubens Felix