Com a morte de José Gil Barbosa, ocorrida na noite desta terça-feira (30) encerra-se no município de Altos a trajetória dos chamados políticos tradicionais, aqueles que nasceram e cresceram na política e em função dela marcaram praticamente toda a sua existência.
Apesar do sobrenome, era da parte modesta da família Barbosa e fez-se praticamente por conta própria, por meio dos estudos, tornando-se advogado, professor, tabelião público e até juiz de direito, nos anos 50. Mas renunciou ao cargo porque naquele tempo ser juiz não dava dinheiro, no máximo atribuía prestígio ao magistrado.
José Gil já tinha bastante bagagem como professor e jovem líder de movimentos de classe. Ele foi balconista em comércio do seu parente Lourenço Barbosa e dali decidiu entrar no magistério, função que exerceu por muitos anos.
Em 1956, reconhecido como liderança, foi indicado candidato a vice-prefeito na chapa de Domingos Félix do Monte, tendo sido eleito com ampla margem. Pouco tempo depois, o prefeito teve que se ausentar para tratamento de saúde e terminou falecendo. José Gil Barbosa assumiu e permaneceu por todo o mandato.
Em 1962, candidatou-se a deputado estadual, ficando na primeira suplência. Com o movimento de 1964, os militares cassaram o titular do mandato, Celso Barros Coelho, e ele foi imediatamente convocado para assumir, também permanecendo por todo o mandato. Nesta época a cidade de Altos contava com nada menos que quatro representantes: o próprio José Gil, seu primo José Barbosa, o Maninho, o advogado Antonio dos Santos Rocha e o também advogado Roberto Couto Raulino, que era seu adversário.
Em 1966, José Gil consegue se eleger prefeito derrotando Felipe Mendes Raulino de Oliveira, o Felipão, político de família igualmente tradicional. No ano de 1970, elege o sucessor, Anisio Ferreira Lima e, na sequência, em 1973, porque o mandato para aquele período era de apenas dois anos, foi eleito vice na chapa do primo José Barbosa.
Disputou a eleição de 1976 contra Felipe Raulino e desta feita foi derrotado – uma das únicas derrotas em seu grande currículo de grandes vitórias. No pleito seguinte, em 1982, adotando o slogan “O Conterrâneo”, foi eleito com margem considerável, derrotando ao médico José Batista Fonseca, ao extencionista José Alves da Silva, o Zé da Ancar, e ao farmacêutico Pedro Arcanjo da Silva, o Pedro Carneiro. Uma eleição em que a cidade ficou realmente dividida entre várias forças.
Lembro-me de José Gil Barbosa ainda dos meus tempos de menino, vez que minha mãe, dona Anaíde, era sua eleitora. Ele frequentava o hotel “Nossa Senhora de Fátima” e se demorava longamente em conversas sobre política – e sobre o futuro. José Gil era um visionário, mas uma pessoa marcada pela honestidade. Tudo tinha que ser feito nos conformes.
Fui embora para Teresina em 1979. Nessa época ele estava ausente da cena pública. Quando voltei, em 1988, para trabalhar na Rádio São José dos Altos, ele era o prefeito. A rádio recebia muitas reclamações de populares sobre o estado em que se encontrava parte da periferia. Eram os novos tempos e os moradores queriam benefícios como calçamento, abastecimento d’água, escolas.
Em seu último mandato como prefeito José Gil foi um grande realizador. Fez escolas, abriu estradas, implantou calçamento no centro e na periferia, reformou mercado público e construiu dois conjuntos habitacionais – Mutirão I e II.
Andando pela cidade conheci uma senhora chamada Maria de Jesus que residia na rua 24 de Janeiro praticamente no centro. Ela me pedia que lutasse pelo calçamento da sua rua, que naquele momento estava imersa na lama. Levei o pleito ao senhor prefeito, com gravação de uma longa entrevista, em que ele discorreu sobre as obras já realizadas ao longo dos quase seis anos de governo, da dificuldade financeira por que passava o município com os vários planos econômicos do governo federal, mas prometia se esforçar para realizar a demanda de dona Jesus.
Lembro-me também de uma passagem naquele ano que marcou enormemente a minha iniciante carreira de jornalista. Ele, José Gil, estava sentado, por volta de dez e meia da noite, no bar do Aluisio, pertencente aos seus adversários, mas com ele não tinha disso, falava com todos, independente de partido ou ideologia. Chamou-me para “tomar um guaraná” e me disse que estava em curso um entendimento que mudaria completamente a história política do município.
Perguntei a ele do que estava falando. Ele me falou que eu daria um furo, mas tinha que ter paciência. Como assim?! As famílias Barbosa e Raulino iriam se unir politicamente depois de mais de 60 anos de profunda adversidade. De fato, era um furo que interessou inclusive a imprensa regional. Eu noticiei na Rádio São José no dia seguinte.
Depois, nossos caminhos se distanciariam. Em 1992, ele se lançou novamente candidato a prefeito. Eu estava ao lado do vereador Cézar Leal, que seria eleito com apoio decisivo e ostensivo do então prefeito José Batista Fonseca, de quem fui secretário de Comunicação (em seu primeiro mandato, que fique bem claro). José Gil teve como candidato a vice o vereador Valdinar Pereira, já falecido, mas não teve nenhuma chance diante do escancarado uso da máquina pública na campanha eleitoral.
Posteriormente, em 2000, numa nova união das famílias Barbosa e Raulino, ele apoiou a candidatura da jornalista Elvira Raulino, indicando o candidato a vice em sua chapa e tornando-se vereador pelo PMDB. Se não me falha a memória, ele militara antes no MDB e no PTB no período que antecedeu a ditadura.
Fez, como parlamentar, um trabalho a altura de sua capacidade intelectual. Não porque tenha morrido, até porque não sou homem de elogio fácil, mas José Gil Barbosa sempre foi uma figura muito além do seu tempo. Recentemente, foi homenageado pela OAB/PI (Ordem dos Advogados do Brasil) como o advogado há mais tempo em atividade.
Soube de seu falecimento por volta das dez e meia da noite de terça-feira, 30 de abril. Lamentei profundamente sua perda, mas sei que estava sofrendo muito e homens como ele não merecem perecer diante de tanto sofrimento. Um resistente e um pensador que certamente fará muita falta nos meios políticos altoenses e do estado.
Por Toni Rodrigues