Durante o período da conhecida Era Vargas (1930-1945) verificou-se uma sensível alteração da ordem pública, com significativas mudanças na administração municipal de Altos-PI, registrando-se um rodízio de 05 prefeitos, que se revezaram no comando da cidade.

Ressalte-se, no entanto, que houve apenas uma mudança de partido político, uma vez que as características do grupo que se efetivou no poder a partir de então pouco diferiu da conjuntura da República Velha, a quem sucediam, até porque muitos dos que passaram ao comando do município eram oriundos da velha prática coronelista, cujo poder era assegurado pela troca de favores, pelo assistencialismo e pelo voto de cabresto.

Foi assim que a única eleição ocorrida no período reconduziu à Prefeitura, com significativa votação,o Coronel Lourenço Barbosa, que governava a cidade por indicação, desde 1934 e que exercia, desde 1932, a função de membro do Conselho Municipal.

Lourenço Saraiva Barbosa (12.06.1888-27.02.1978) era oriundo de tradicional grupo político dominante na cidade. Fora o primeiro Prefeito eleito após a emancipação do município, no pleito de 1924, governando de 01 de janeiro de 1925 a 31 de dezembro de 1928, quando foi sucedido por Francisco Raulino, seu tradicional rival nas disputas eleitorais subsequentes.

Mantinha convívio permanente em todas as camadas sociais, angariando larga aceitação entre o eleitorado. Comerciante, agropecuarista e grande latifundiário, era filho do prestigiado chefe político Cazuza Barbosa (1870-1932) e fora casado com Maria do Ó Barros Barbosa (1895-1922), a primeira professora pública diplomada do lugar, que muito lhe auxiliava na atividade social e política. Mantinha com o irmão Emygdio a sociedade comercial Lourenço Barbosa & Irmão, situada no centro da cidade. Foi Conselheiro Municipal por vários anos.

Integrava a terceira vertente do coronelismo que, segundo Alcides Nascimento, era a que apresentava maior capacidade de articulação política, por ser integrada pelos grandes proprietários de terra que tinham seu poder concentrado na atividade comercial. Assinala o autor que a primeira vertente diz respeito ao poder oriundo da posse da terra (latifúndio) e a segunda abarca igualmente o latifúndio e o destaque político na esfera federal.

Por ato de 16 de abril de 1934, do Interventor Federal no Piauí, Tenente Landry Sales Gonçalves, Lourenço é nomeado Prefeito em Comissão da cidade de Altos, para substituir o Sargento PM Plínio Mozart de Morais. Assumiu a função três dias depois, em 19 de abril, e governou o município, nesta fase, até 27 de março de 1936.

Em 1935 é anunciada pelo Presidente Vargas uma eleição direta para a escolha de Prefeitos e Vereadores, que seria, na verdade, um artefato para o golpe do Estado Novo. Alegando a existência do Plano Cohen, supostamente organizado pelos comunistas para tomarem o poder, Vargas serve-se dessa farsa organizada pelos integralistas e aproveitada por chefes militares vinculados ao seu governo para fechar o Congresso Nacional com tropas federais em 10 de novembro de 1937.

No mesmo dia, em transmissão radiada, Getúlio Vargas informou à nação a instituição do Estado Novo. O que se viu, pouco tempo depois, foi o fechamento dos partidos políticos e os governadores dos estados novamente substituídos por interventores. Aqueles afinados com sua linha político-ideológica foram mantidos nos cargos. Com isto, Vargas conseguiu o que queria: acabou com os direitos democráticos instituídos pela Constituição e permaneceu no poder, suspendendo as eleições gerais que se realizariam em 1938.

Visto por muitos como sinônimo de progresso, ordem política e período de bem-estar para a população brasileira, o Estado Novo duraria até 1945, quando finda o governo Vargas e passa o país por um processo de reajustamento democrático. Os varguistas, especialmente correligionários, Prefeitos e autoridades nomeadas nas municipalidades não deixavam de sempre elevar aos Interventores e mesmo ao Chefe da Nação seus extremosos votos de apreço e fidelidade ao ‘proveitoso’ governo que desenvolviam:

"Altos – Em nome do município, faço votos a Deus para que o novo anno seja de grandes prosperidades para o Estado e completo reconhecimento ao Governo patriotico de V. Excia. Saudações.
a) Lourenço Barbosa, Prefeito. (Diário Oficial de 13.01.1938, p. 04).
Altos – Desejo feliz anno novo, com muitas prosperidades.
a) João Simeão. (Diário Oficial de 13.01.1938, p. 04).
Altos, 10: Congratulo-me com V. Excia. pela data de hoje em que se festeja jubilosamente 4º aniversário do Estado Novo que tanto há concorrido para progresso e felicidade do nosso querido Brasil. a). Lourenço Barbosa, Prefeito Municipal". (Diário Oficial de 21.11.1941, p. 03).

Na eleição municipal de 01 de outubro de 1935, Lourenço Saraiva Barbosa é eleito Prefeito para um mandato do primeiro quadriênio constitucional de 1936 a 1940. Não se fazia composição de chapa para Vice-Prefeito. O mandato foi iniciado em 27 de março de 1936, data em que se fez o compromisso legal e posse do Prefeito, bem como dos cinco vereadores eleitos, jurando “bem servir os cargos, cumprindo com lealdade e dedicação os seus deveres legais”(Atada sessão solene de compromisso e posse do Prefeito e Vereadores do município de Altos, eleitos para o primeiro quadriênio constitucional de 1936 a 1940, e eleição da mesa da Câmara Municipal, em 27 de março de 1936, p. 03). Presidiu a solenidade o Juiz Substituto e Eleitoral da Comarca, Dr. Gonçalo de Castro Cavalcanti, servindo como secretário o próprio Prefeito eleito, designado pelo Juiz Eleitoral. Assistindo ao ato de posse dos eleitos estava o Tenente Emygdio Saraiva Barbosa, irmão de Lourenço, como representante do Secretário de Governo do Estado, designado para este fim através de telegrama lido na ocasião.

Lourenço integrava o Partido Nacional Socialista do Piauí (PNS-Pi) e obteve nas duas secções eleitorais que compunham a cidade 301 votos, sendo 161 na primeira secção e 140 na segunda. Seu oponente, Francisco Raulino, do Partido Progressista Piauhyense (PPP), obteve 151 votos. (DO de 07.01.1935 e DO de 29.01.1935). Altos tinha uma população estimada em 6.999 habitantes, conforme o Boletim nº 12/1935 da Diretoria Estadual de Estatística do Piauí, e estavam cadastrados 453 eleitores aptos ao voto.

Na apuração dos votos do PPP foram registrados 07 votos em branco para Vereador. A Câmara de Vereadores eleita naquele certame político ficou assim constituída:
- Pelo Partido Progressista Piauiense (PPP): Antônio Ribeiro de Vasconcelos (148 votos);
- Pelo Partido Nacional Socialista do Piauí (PNS-Pi): João Vitorino de Assunção (110 votos), João Simeão da Silva (94 votos), Alfredo Gentil de Albuquerque Rosa (93 votos) e Cândido Porto Viana (nenhum voto), eleito pela força da legenda.
A eleição de Cândido Porto, bem como a posse de um suplente depois, que não receberam nenhuma votação, são explicadas pelo sistema eleitoral vigente na época: quociente eleitoral, segundo o qual

"O total dos votos recebidos pelas legendas dos partidos é que decidia o número dos eleitos. Candidatos com votação insignificante eram considerados eleitos se o total da votação dada ao partido o permitisse. [...] Seriam eleitos tantos candidatos quantas vezes o quociente eleitoral estivesse contido no total da votação" (MELLO, 1976, p. 17).

O PNS-Pi fez um suplente: o farmacêutico Giovanni Martins Viana (nenhum voto); pelo PPP ficaram na suplência Luiz Marques de Holanda (nenhum voto); Francisco Soares da Silva(nenhum voto), Miguel Telésforo do Valle (nenhum voto) e Antônio Pereira Cavalcanti (nenhum voto). A diretoria da Câmara foi assim formada, após eleição entre os pares: Alfredo Rosa (Presidente), Major João Vitorino (Vice-Presidente) e Cândido Porto (Secretário), todos do PNS-Pi; mesmo tendo obtido a maior votação, o vereador oposicionista Antonio Ribeiro de Vasconcelos foi excluído na composição da mesa diretora. A direção de secretaria da Câmara era feita por Waldimir Saraiva de Sousa, sobrinho do Prefeito eleito.

O suplente Giovanni Martins Viana tomou posse em 10 de fevereiro de 1937, na vaga aberta pelo vereador presidente da Casa, que deixou a Câmara para assumir o cargo de Prefeito interino por motivo de ausência do titular. Passa, assim, o Major João Vitorino de Assunção a presidir os trabalhos do Legislativo.

Além de ter maioria absoluta no Legislativo, com 80% dos vereadores a seu favor, Lourenço deixa a Prefeitura durante sua ausência nas mãos de um correligionário e compadre, padrinho de sua filha Maria das Graças (Graciosa), situação bastante confortável para manter a ordem administrativa que tanto agradava ao Interventor Federal e ao próprio ego do gestor municipal.

Assumindo a Prefeitura em 27.03.1936, Lourenço governaria constitucionalmente a cidade até 1940. Porém, o presidente Getúlio Dornelles Vargas, assegurando sua permanência no controle do país, deflagra o Estado Novo em 30 de novembro de 1937, novamente, dissolvendo o Congresso Nacional, as Assembleias Estaduais e as Câmaras Municipais de Vereadores. Assim, em 01.12.1937, um ato assinado pelo Interventor Federal do Piauí, Dr. Leônidas de Castro Mello, nomeia o já Prefeito Lourenço Barbosa para o mesmo cargo, autorizando-o a tomar posse independentemente de título. Por pertencer ao grupo político do Interventor piauiense, nosso personagem é mantido na função executiva e permanece no cargo até o dia 16 de novembro de 1945, quando tem fim o Estado Novo.

Nesta fase de sua vida pública, Lourenço governou o município por 11 anos. Podemos elencar como suas principais realizações: transferência do matadouro municipal para um lugar mais apropriado; construção de necrotério no cemitério público; construção de uma “sentina” na Prefeitura, que também recebeu serviços de conservação, adaptação e limpeza; construção do prédio próprio da Prefeitura; criação e instalação da Biblioteca Pública Municipal João Bastos (1936); construção do prédio da Unidade EscolarGovernador Landry Sales Gonçalves (1939); construção da Usina Elétrica São José, movida à lenha (1944); reforma e ampliação do Cemitério São José; construção do Mercado Público Municipal; aquisição de maquinário e outros materiais para a Prefeitura; perfuração de um poço público; construção de 24 km da estrada carroçável ligando Altos a Beneditinos e a Alto Longá; criação de 03 escolas municipais, dentre as quais uma na localidade rural Cruzeiro; reconstrução de um poço público; e construção de uma ponte de madeira sobre o rio Camurugipe, na estrada Altos-Beneditinos.

Em relatório datado de 30.04.1935, apresentado ao Presidente da República, Landry Sales presta contas de seu governo no estado do Piauí no período de 1931 a 1935, assinalando, quanto ao município, que:

"Altos faz a reconstrução do cemitério e construção do mercado e do matadouro, remodela os edifícios da Prefeitura e da cadeia; perfura novos poços destinados ao suprimento d’água à população; inaugura a iluminação; repara o açude e arboriza as vias públicas". (Relatório de Landry Sales, 1935, p. 64).

Quanto às iniciativas de combate à seca, o Interventor destaca como obras do estado na cidade a construção de um açude (Açude da Tranqueira), com barragem de 260 metros e altura de 03 metros. (Relatório de Landry Sales, 1935, p. 64).

Não foi, porém, o governo de Lourenço Barbosa tão glorioso. Eurípides Aguiar, ferrenho oposicionista do Estado Novo, de Leônidas Mello, bem como do governo Vargas e seus correligionários, deixou para a posteridade, em seus Escritos Insurgentes, valiosa peça crítica acerca de sua administração eivada de vícios e carcomida pela velha prática da troca de favores, tão comum ainda nos dias atuais:

"Altos
A administração pública de Altos está muito por baixo. Os carcomidos e incapazes apaniguados de Leônidas Mello, apeados das posições oficiais pelo golpe de 29, voltaram, agora, conduzidos pela mão forte do governo, a flagelar aquela pobre cidade.
O minguado Lourenço Barbosa, acolitado pelo próspero genro Santos Rocha, o hábil “coordenador” dos 30.000 cruzeiros da Cruzada, é novamente dono de Altos. Os principais cargos públicos dali são todos ocupados por parentes, aderentes ou protegidos de Lourencinho, gente inculta, incapaz e, sobretudo, completamente estragada pela bambochata do Estado Novo. A gente limpa foi posta à margem". (AGUIAR apud KRUEL e MORAES, 2011, p. 187).


O Interventor Landry Sales (no centro, fardado), na posse dos novos
Prefeitos (1934). Lourenço Barbosa é o primeiro em pé, na 2ª fila, da
esquerda para a direita. Fonte: Acervo Batista Teles

Por Carlos Dias, Professor e Pesquisador