A voz mal entoa as palavras por está sempre ofegante, parece faltar o ar, o olhar é direcionado ao ouvinte sem medo, há muito viver em suas atitudes... vez por outra rir, fica o ouvinte na dúvida se há um homem ou criança ingênua – talvez para amenizar a sua realidade – tudo está focado em trabalho, trabalho e trabalho – suas mãos são calejadas e evidência horas e horas de serviços incessantes. Esta foi a primeira impressão que tive do senhor João Batista após ele falar um demorado “Boa tarde!” na chácara São Lucas entre Altos e Campo Maior.

Sua historia é interessante, silenciosa e triste. Interessante, pois o senhor João Batista vem de muito longe a pé, de Gurupi, no Pará. Sua bagagem, um carrinho de mão, bem zelado, roupas novas e outras desgastadas pelo tempo, há um mês sua viagem começou – quando fugiu de uma fazenda, era trabalhador escravo.

“Lá o trabalho começa cedo, senhor! Bem cedo se o senhor quiser dormir cedo! Eu levantava às três da manhã. Roçar, ordenhar o gado, consertar cercas, carregar latões de leite nas costas, trabalho pesado e no final do mês você não recebe o que tem para receber. O senhor sabe como é, né? E quando recebe um pouquinho, tem que pagar coisas que você nem usou. Então eu me zanguei, decidi sair de lá, não dava mais, não, fui assim, saindo manso sem eles perceber, então peguei a mata e fui embora”.

É uma historia silenciosa, pois há omissão por boa parte das autoridades que não vem ao caso julgar – seria tedioso citar aqui. É um reflexo latente de um passado que parece que nunca vai se acabar: a escravidão.

“Eu tô indo para Massapê no Ceará, o senhor conhece? Fica a 18 quilômetros de Sobral rumo para Camocim, mas eu não sei se vou por Chaval. Eu acho que fica mais longe.”

É uma historia repetitiva, pois há muito tempo, percebo andarilhos pelo município de Altos – de passagem, sempre silenciosos cabisbaixos como se não quisessem confusão – alguns são loucos, dependentes químicos ou fugitivos de fazendas, estes sempre com um rumo, um destino, um desejo de reencontrar sua terra.

“Sabe moço: Teresina é muito grande, é grande demais. Eu já vinha casando de andar a tarde inteira no Maranhão. O sol muito forte e entrei em Teresina por volta das sete horas da noite. Eu pensei em dormir por lá, só que fiquei com medo do povo me fazer mal. Então andei, andei e saí da cidade. Passei de uma pousada – ESTUDIO 3 motel – joguei o carrinho de lado, peguei a lona, me cobri, a grama estava boa, verdinha...dormi na hora, sei lá o que foi aquilo. Estava cansado demais, de manhã segui viagem”.

Por vezes é confuso entendê-lo – são frases desconexas, mas com sentido. Fico imaginando e arrisco: Será o cansaço? Horas e horas a fio num sol quente ou a escravidão torna o homem um ser “animal”: omitindo sua voz e o privando do direito de ir e vir. Algo é forte em João Batista – a presença de Deus em suas frases repete o nome Deus com força, latência, e abrasador ânimo, eu confesso que nunca vi igual. Percebe-se que ele não deseja muito da vida e nem ao menos se lamenta por ter sido vítima do trabalho escravo. A vida continua.

“Cheguei aqui pela manhã, sem dinheiro e com fome. Pedi comida, contei logo a verdade, não adianta esconder – não sou ladrão, não sou mal – vim do trabalho de longe, pedi abrigo, vou para o Ceará – vou ver minha família – minha mãe morreu eu tinha 9 anos, não lembro de muita coisa daquele tempo, não. Meu pai morreu também – só meus irmãos estão lá – saí de lá ano passado. Vou lá passar uns dias e dia 3 de outubro eu estou em Belém, vou para o Pará.”

João Batista finaliza e dar um sorriso.

Por Cacá Ventura