Adentrou os estúdios da rádio Clube de Teresina elegantemente vestido, paletó e gravata, camisa de linho e sapato bico fino. Não tinha quem não dissesse que era mesmo um deputado federal, ainda mais o radialista Luís Borges, conhecido como “Boca de Caçapa”, que estava estreando na comunicação e ainda por cima apresentando programa policial. Valdinar se apresentou como Deputado Federal e pediu espaço para uma entrevista. “Boca de Caçapa”, o locutor, achando que estava fazendo grande coisa, entregou o microfone ao “parlamentar”, abandonou o estúdio a pretexto de dar uma estacadinha na cantina.

“Enquanto isso, fique à vontade.” Valdinar não se fez de rogado. Aproveitou que estava sozinho e mandou ver no governo Hugo Napoleão. Disse o que devia e o que não devia e no fim das contas mexeu até com a sexualidade do homem.

Não deu outra. Em poucos minutos os canas chegaram e vieram de camburão e tudo. Entraram na emissora sem pedir licença e algemaram o engravatado falante que de deputado não tinha nada. No máximo, tinha passado uns dias em companhia de doutor Clidenor de Freitas Santos, no Meduna. Levaram-no para o 1º DP, no centro, e o enquadraram como subversivo. A ditadura estava agonizante, mas ainda de pé. Deputado Valdinar foi interrogado. “O senhor já esteve na URSS?”, perguntou-lhe o meganha. “US o que?!”, exclamou. “Não se faça de rogado”, prosseguiu o interrogador. “Sabemos que está a serviço de Moscou."

Não estava a serviço de Moscou coisa nenhuma. E da malandragem de quem lhe botou terno e gravata. Mas não adiantou dizer que era doido. Os homens não quiseram saber e lhe meteram a palmatória. Em seguida, o jogaram num xadrez imundo, só de cuecas. “A roupa tu pega depois, gaiato.”

Lá pelas três e tantas da matina, acordou com sede e frio, muito frio. “Soldado eu chamo é de garçom. E então eu disse: ’Garçom, me traz água, estou com sede.’ Eles responderam que viriam logo.”

E vieram mesmo. “É tu que quer água, ?” Fez que sim, animado, imaginando que iria matar a sede. A água vinha num balde, direto do freezer, e tinha até uma capinha de gelo por cima. Tomou banho de corpo inteiro, água gelada, gelo puro àquela hora da madrugada. Ficou todo se tremendo até o dia amanhecer.

A informação chegou apenas por volta de 11h30min. Era maluco, de subversivo não tinha nada. Soltaram-no sem nem pedido de desculpas. Um dos policiais, logicamente, não aceitou. Mas depois de tudo aquilo ganhou um baita almoço, em hotel do centro, com direito a música de Amado Batista.

Texto extraído do Livro "Um Repórter", de Toni Rodrigues