O Sub-procurador geral do Município de Teresina, Marcelo Mascarenha, repercutiu positivamente o movimento #MeiaJá. Ele contribuiu com orientações aos estudantes. Acompanhe.
"Parabenizo os jovens altoenses que tiveram a iniciativa de se mobilizar pela luta em favor da meia passagem no transporte coletivo intermunicipal. Debater, organizar, mobilizar, ir para as ruas é o caminho para a construção efetiva da democracia e para a conquista da cidadania. Por isso, ao tempo em que manifesto meu total apoio e solidariedade, gostaria de dar minha pequena contribuição ao movimento com algumas informações e sugestões.
Altos fica na Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) da Grande Teresina, criada pela Lei Complementar Federal nº 112, de 19 de setembro de 2001. Ao todo, 13 cidades compõem a RIDE Grande Teresina: Altos, Beneditinos, Coivaras, Curralinho, Demerval Lobão, José de Freitas, Lagoa Alegre, Lagoa do Piauí, Miguel Leão, Monsenhor Gil, Teresina e União, no Estado do Piauí, e pelo Município de Timon, no Estado do Maranhão.
A regulamentação dessa lei foi feita pelo Decreto Federal nº 4.367, de 9 de setembro de 2002. É esse decreto que determina que uma das ações prioritária das RIDE Grande Teresina é a integração do sistema de transporte público. Essa foi a base legal para a implantação do sistema de transporte semiurbano pela Lei Estadual nº 5.674, de 01 de agosto de 2007 (regulamentada em 2008 pelo Decreto nº 13.069, de 19 de maio de 2008).
O sistema de transporte semiurbano permite que o transporte de passageiros na RIDE Grande Teresina seja realizado por ônibus diferenciados (mais baratos que os demais intermunicipais), com uma capacidade maior de lotação. Isso possibilitou a redução da tarifa a, praticamente, metade do que era na época.
Em 2009, o Governo do Estado editou uma lei mais completa para regulamentar o sistema de transporte semiurbano: foi a Lei Ordinária nº 5.860, de 01 de julho. Assim prescreve o seu artigo 43:
“Art. 43º É livre a concessão de desconto ou promoção na tarifa pelas empresas delegadas, devendo ser efetivada em caráter uniforme na linha, em toda a sua extensão, e para todos os usuários, devendo, no entanto, solicitar a autorização ao Poder Delegante com uma antecedência mínima de 30 (trinta) dias.
§ 1º A autorização de que trata o caput, só deverá entrar em vigor com a homologação do Poder Delegante que estabelecerá o percentual, o prazo máximo e os períodos, conforme regulamento.
§ 2º Tem garantindo o direito à tarifa diferenciada, e enquanto puder comprovar, o usuário que se utiliza do Sistema de Transporte, diariamente, conforme diretrizes estabelecidas neste artigo.”
Esse artigo, portanto, criou dois regimes diferenciados de tarifa (além, é claro, da tarifa normal, da qual se trata em outros artigos da lei). O primeiro é o regime de “tarifa promocional” (caput do artigo), a ser oferecida pelas empresas de forma uniforme em todo o trecho e para todos os usuários mediante autorização da SETRANS. Aqui seria o caso de uma empresa oferecer, por exemplo, um desconto de 15% nas suas passagens que valeria para todos os usuários (os que usam diariamente o transporte e os eventuais) e para todo o trecho (quem sai de Altos e vai para Teresina, ou para a Vista Alegre, ou para a Alegria pagaria o preço da passagem do trecho com o desconto de 15%), durante um determinado período pré-fixado (as férias de julho, v.g.).
O segundo regime é o regime da “tarifa diferenciada” (parágrafo segundo) para os usuários que utilizam o transporte diariamente (caso dos estudantes e dos trabalhadores). Neste caso, o benefício dura não por um prazo determinado, mas enquanto o passageiro puder comprovar a sua condição (de que usa o sistema diariamente).
Essa lei somente foi regulamentada em 2011, através do Decreto nº 14.538, de 20 de julho. O referido decreto, em seu artigo 93, assim estabeleceu:
“Art. 93. As empresas transportadoras poderão conceder descontos ou promoções, desde que, respeitado o limite de até 20% (vinte por cento) sobre o valor da tarifa.
§ 1º A autorização, que trata o caput, deverá ser solicitada ao Poder Delegante com antecedência mínima de 30 (trinta) dias a qual, após ser homologada por este, terá validade máxima de 30 (trinta) dias.
§2º Não poderá ser renovada a autorização em um intervalo mínimo de 120 (cento e vinte) dias, bem como, afetar o equilíbrio econômico-financeiro de linhas cuja origem ou destino seja o seccionamento da linha em promoção.
§ 3º Para ter garantido o direito de até 20% (vinte por cento) de desconto, o passageiro comprovará o uso semanal dos serviços de transporte intermunicipal no mínimo de cinco vezes, e deverá adquirir, na concessionária da linha, as passagens semanais, quinzenais ou mensais, a critério do passageiro.”
Como se vê, o decreto impôs limites aos regimes tarifários criados pela lei. No que diz respeito à tarifa promocional, estabeleceu que: a) o desconto será de no máximo 20%; b) valerá no máximo pelo período de 30 (dias); c) só poderá ser concedida uma segunda vez após 120 (cento e vinte) dias do encerramento da primeira promoção; d) deve ser mantido o equilíbrio econômico-financeiro.
Já no que se refere à tarifa diferenciada, os limites são os seguintes: a) o desconto será de no máximo 20%; b) o beneficiário deve comprovar o uso semanal do transporte intermunicipal pelo menos por cinco vezes; c) o beneficiário deve adquirir com antecedência as passagens junto à empresa concessionária, no mínimo para uma semana inteira.
O decreto neste ponto é falho e deixa lacunas que precisam ser supridas. Quais documentos podem ser usados como comprovante? O uso por cinco vezes do sistema é em dias alternados? No mesmo dia? Todo dia? Quem fixa o valor da tarifa diferenciada? Na verdade o poder público silenciou na regulação desse direito, e delegou todo o poder de regulamentação às empresas concessionárias, que podem inclusive fixar a seu critério o valor do desconto (que pode ser de 20%, 10%, 5% e até nenhum, como é atualmente).
Considerando essas informações é que eu lanço adiante algumas propostas às lideranças do movimento #MeiaJá, para que as manifestações que estão sendo realizadas tenham uma pauta a ser cobrada e negociada, impedindo assim o esvaziamento da mobilização. São elas:
01. Envolver o Ministério Público Estadual no debate, haja vista que se trata de direito coletivo dos usuários do transporte e que atualmente está sendo sonegado pela omissão das empresas e do Estado;
02. Apresentar um projeto de lei junto à Assembleia Legislativa Estadual, à exemplo do que foi feito no Ceará e em Alagoas, regulamentando o direito à meia passagem para estudante (50% de desconto) e a tarifa social para o trabalhador (20% de desconto) no transporte semiurbano da RIDE da Grande Teresina, estabelecendo ainda qual órgão do Estado será responsável pela emissão e/ou reconhecimento dos documentos de identificação dos beneficiários;
03. Buscar construir relação com estudantes e trabalhadores dos outros municípios que fazem parte da RIDE da Grande Teresina, para aumentar a capacidade de mobilização, a visibilidade do movimento e a pressão social sobre as autoridades competentes.
Espero que essas informações sejam úteis, e possam contribuir para fortalecer essa luta mais do que justa. E aos que duvidam da possibilidade de sucesso dessa empreitada, lembro do trecho de um hino mariano que aprendi em meus tempos de Pastoral de Juventude e que sempre me serve de inspiração em momentos assim: “Mesmo que digam os homens: tu nada podes mudar – luta por um mundo novo de unidade e paz!”.
Marcelo Mascarenha