Também conhecida como Reisado, Terno de Reis, Reis ou Reis de Careta, é um dos mais originais folguedos do nosso folclore. Festejo trazido de Portugal para o Brasil no início da formação de nossa identidade cultural, alude às comemorações natalinas e apresenta, também, um caráter filantrópico.

Sua origem está associada à visitação dos três reis magos do Oriente, Belchior, Baltazar e Gaspar, reverenciados na Igreja Católica como santos a partir do século VIII da era cristã. Foram eles os primeiros a trazer presentes como ouro, incenso e mirra a Jesus recém-nascido. O evangelho de Mateus assim narra o acontecimento: "Entrando na casa, viram o menino (Jesus), com Maria sua mãe. Prostando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra." (Mt 2, 11).

É organizada costumeiramente na zona rural. Mas existem também alguns grupos organizados na cidade. Os tiradores fazem a combinação com os donos de algumas casas da cidade ou chegam repentinamente às mesmas para fazer a dança.

Essa jornada começa no dia 31 de dezembro e estende-se até o dia 05 de janeiro, pois no dia 06, que é o dia de Reis, a comemoração festiva é realizada na casa do dono da função. O grupo é pequeno, formado por um ou dois violeiros, sanfoneiro, cantadores, um batedor de pandeiro, o boi, alguns caretas (04 ou 06) e - em alguns casos - a burrinha, havendo ainda acompanhamento de mulheres que ajudam a cantar ou mesmo são as puxadoras das cantigas. Em algumas regiões, aparecem outros personagens, como o Jaraguá, a Cigana, a Ema, a Arara, o Caipora, o Cabeça de Fogo e outros.

Os caretas trajam-se com roupas velhas, rasgadas, sapatos velhos, chibata, paletó preto, gravata e outros apetrechos extravagantes, trazendo ao rosto máscaras de couro de animais, com barba e bigode e um nariz exagerado. Cabe a eles dar o tom alegre e fazer a movimentação dos espectadores.

Entre uma e outra apresentação, os caretas dançam e sapateiam, cantando modinhas com a voz cavernosa e falando anedotas, algumas vezes até licenciosas e muito picantes. São eles também que respondem, em forma de refrão, as cantigas do Reisado. Obedecem as ordens do Capitão, que é o organizador da festividade.

Quando os tiradores de Reis vão cantar em uma casa, além de o organizador receber a contribuição, os demais componentes, como os caretas, atiram lenços aos ombros dos assistentes, como pedido de uma oferta em dinheiro.

Chegando à casa, cantam e só depois da porta aberta começa a dança do boi ou da burrinha no terreiro ou dentro da própria casa, dependendo do espaço disponível.

O Reisado em Altos
Em Altos-Piauí existem alguns grupos de Reisado, que se apresentam entre o dia 27 de dezembro e 06 de janeiro de cada ano. Há, inclusive, no bairro Santo Antônio, uma residência que estampa em seu muro de entrada a significativa expressão “Casa de Festa de Santos Reis”, propriedade do Sr. Luís Bispo de Sena, conhecido como Luís Pia, e Dona Alzira Soares de Sena, sua esposa, que é a dona da promessa de tirar anualmente os festejos de Santos Reis.

Estive no dia 04 de janeiro de 2011 na citada casa de reisado, para entrevistar aqueles que mantém muito viva essa importante tradição religiosa e cultural em nosso meio altoense.

Sr. Luís Pia faleceu contando já seus 94 anos de idade, no dia 21 de junho de 2012. Era ele nascido em 06 de setembro de 1917, na localidade rural Garcinha, em Alto Longá-PI. O apelido herdou de sua mãe, Maria Rodrigues do Nascimento, conhecida como Dona Pia.  Seu pai era Raimundo Bispo de Sena. Oriundo do meio rural, trabalhou longos anos como tirador de palha de carnaúba. E foi nesse ramo que transferiu residência para o lugar São Roberto, em Altos, onde conheceu e casou-se com Alzira em 1956. Do casamento, nasceram 20 filhos, dos quais 16 sobreviveram: Elita, Paulo, Francisca, Raimundo, Damiana, Antonio, Rita, Antonia, Maria da Cruz, Inês (Neta), Miguel, José (Zezito), Catarina de Sena, Élder (Pinduca), Maria das Dores (Dorinha) e Cícero.

Em 1983 a família muda-se para o bairro Santo Antônio de nossa cidade, ao lado da atual capela de Santa Teresinha, onde ainda hoje está radicada.

Indagado sobre a origem de tudo, Seu Luís Pia responde que começou a acompanhar a Festa de Reis com sua sogra Inês Maria, em 1956. Durante 12 anos sua sogra realizou a tradição, cumprindo promessa que fizera para a cura de seu filho Raimundo Soares da Silva, de 12 anos de idade.

Uma história de fé
Dona Alzira Soares de Sena é natural de Altos, tendo nascido na localidade São Roberto, deste município, em 22 de abril de 1940. É filha de Inês Maria da Conceição e José Soares da Silva.

Na entrevista, Dona Alzira, esposa de Luís Pia, contou-nos que sua irmã Francisca Soares da Silva teve, no período da doença de Raimundo, um sonho em que lhe aparecia uma mulher de branco numa latada de folhas que a chamou e perguntou pela saúde do irmão. Sabendo que o mesmo não falava, orientou a senhora que fizesse um remédio de gergelim com leite. Dado o remédio, no intervalo de uma hora Raimundo falou. Depois a mesma senhora teria dito que D. Inês tirasse Reis tanto quanto pudesse.

Com a doença de D. Inês, no início da década de 1980, o Sr. Luís Pia e sua esposa, que já ajudavam a mãe no festejo, assumiram a função.

Caindo gravemente doente o chefe da família, Dona Alzira o leva a Brasília-DF, em busca de tratamento. Ali, diz ela, “encomendei a Santos Reis que me indicasse o remédio pra meu marido ficar bom”. Ele tava muito doente e sem memória”. Medicado, foi-lhe recomendado que não voltasse ao Piauí enquanto não recuperasse a memória e ficasse curado. Pouco tempo depois, Sr. Luís começou a dizer que queria voltar para sua casa, pois seus filhos – e cita os nomes de cada um deles, o lugar onde morava, dentre outras informações importantes, para surpresa e contentamento da esposa e família – não sabiam cuidar direito de suas coisas. Retornam para Altos e, em agradecimento pela graça alcançada, começam a festejar Santos Reis em 1994 como uma promessa própria da família. De lá para cá, não pararam mais de tirar Reisado.

Perguntei ao casal Luís Pia e Alzira porque batizaram sua residência como “Casa de Santos Reis”, ao que prontamente responderam:
“– Pela fé, porque nós fomos validos!”
O cumprimento da promessa de D. Alzira consiste na reza do terço nas casas da redondeza, tirando as esmolas. Na tarefa, é ajudada por suas filhas Damiana e Inês (Neta). Completam o grupo os caretas atuais Toca, Francisco (Chico) e Puim, além do tocador Chico Bolota, que é o único remunerado da equipe.

Afirmou ainda ela que das noites do novenário só não tira Reis no dia de São Silvestre (31 de dezembro), “porque a maioria das pessoas vão pra rua e alguns não querem”, e na véspera da data, 05 de janeiro. No dia 06, tira em sua casa e nas de suas duas filhas, que moram ao lado. No dia da grande comemoração, 06 de janeiro, recebem muita gente o dia inteiro e dão comida a todos que aparecerem. À noite, fazem-se orações, a reza cantada do terço e um leilão de bolos, assados, doces, frutas e outras prendas. Os caretas fazem a festa, com suas animadas danças e lorotas com os presentes.

Naquele ano de 2011 não teve a apresentação do boi, porque faltou quem dançasse com o mesmo.

As cantigas de Reis em Altos
Usando um linguajar bem popular, as cantigas buscam enfatizar o sentido da festividade e a veneração a Deus, aos Santos Reis e alguns outros santos da devoção popular.

Reproduzo adiante as cantigas executadas pelo grupo de Dona Alzira e Seu Luís Pia, pacientemente transcritas por sua filha Catarina de Sena, que as sabe de cor.

Ao chegar à porta, os integrantes do Reisado saúdam os donos da moradia com os seguintes versos:

Oi de casa, oi de fora! Oi de casa outra vez.
Ô, Oi de casa outra vez.

Oi de casa, oi de fora! Menina, vai ver quem é.
Ô, menina, vai ver quem é.

São os tiradô de Reis, devotos de São José.
Ô, devotos de São José.

Quando o solo vai se pondo, as nuvens vão desmudando.
Ô, as nuvens vão desmudando.

Meu senhor dono da casa, é Santos Reis que vem chegando.
Ô, é Santos Reis que vem chegando.

Santos Reis do Oriente foram embora pra Belém.
Ô, foram embora pra Belém.

Lá eles tiram seis noites, nós aqui tira também.
Ô, nós aqui tira também.

Santos Reis do Oriente trazem um cajado na mão.
Ô, trazem um cajado na mão.

Tiro Reis é por promessa, mas não é por precisão.
Ô, mas não é por precisão.

O dono dessa promessa teve com a vela na mão.
Ô, teve com a vela na mão.

Num fosse Deus e Santos Reis, tava debaixo do chão.
Ô, tava debaixo do chão.

A promessa é de Santos Reis e de São Sebastião.
Ô, e de São Sebastião.

Senhora, dona da casa, é Santos Reis em sua varanda.
Ô, é Santos Reis em sua varanda.

Num são eles em pessoa, mas é gente que eles manda.
Ô, mas é gente que eles manda.

Eu cheguei na vossa porta com um ouro na balança.
Ô, com um ouro na balança.

Meu senhor, dono da casa, me perdoe a confiança.
Ô, me perdoe a confiança.

Eu cheguei na vossa porta com a bandeira da verdade.
Ô, com a bandeira da verdade.

A bandeira da verdade tem nove botão de rosa.
Ô, tem nove botão de rosa.

Três brancas, três amarelas, três encarnada cheirosa.
Ô, três encarnada cheirosa.

Eu cheguei na vossa porta com minha bandeira na mão.
Ô, com minha bandeira na mão.

À procura da esmola dada de bom coração.
Ô, dada de bom coração.

Minhas auvissa, companheiro, que a luz já acendeu.
Ô, que a luz já acendeu.

Será o dono da casa que já vem pagar os Reis?
Ô, que já vem pagar os Reis?

Bem auvindo, meu senhor, e não tenha pena de dar.
Ô, não tenha pena de dar.

Que nós temos Jesus Cristo para nos recompensar.
Ô, para nos recompensar.

Saí ontem, cheguei hoje. Ai, meu Deus, cheguei agora.
Ô, ai, meu Deus, cheguei agora.

Boa noite, meu senhor; e boa noite, minha senhora.
Ô, boa noite, minha senhora.

Vou lhe fazer um convite, que é da nossa obrigação.
Ô, que é da nossa obrigação.

Pro terço de Santos Reis, que é adepois da procissão.
Ô, que é adepois da procissão.

Você vai de manhãzinha, pra chegar de tardezinha.
Ô, pra chegar de tardezinha.

Chega a noite, reza o terço e adepois a ladainha.
Ô, e adepois a ladainha.

Rainha, Santa Isabela, quando desceu da sua glória...
Ô, quando desceu da sua glória...

Foi descendo e foi dizendo: Deus lhe pague a santa esmola.
Ô, Deus lhe pague a santa esmola.
Deus lhe pague a santa esmola, se der de bom coração.
Ô, se der de bom coração.

No Reino do Céu se veja na mesa da comunhão.
Ô, na mesa da comunhão.

Deus lhe pague a santa esmola; Deus lhe dê muito o que dar.
Ô, Deus lhe dê muito o que dar.

Nesse ano, pague os Reis; para o ano torne a pagar.
Ô, para o ano torne a pagar.

Deus lhe pague a santa esmola, e a senhora Santa Luzia.
Ô, e a senhora Santa Luzia.

No Reino do Céu se veja o sinhô com sua famía.
Ô, o sinhô com sua famía.

Deus lhe pague a santa esmola, Deus lhe dê os parabéns.
Ô, Deus lhe dê os parabéns.

No Reino do Céu se veja os anjos dizendo amém!
Ô, os anjos dizendo amém!

Tirei a fulô do galho, botei no pé de roseira.
Ô, botei no pé de roseira.

Ao final das cantigas e respostas dos caretas, a puxadora do coro canta assim:
Senhora, dona da casa, da porta tire a bandeira.
Ô, da porta tire a bandeira.

Em algumas cidades do interior piauiense, há outra variante do encerramento da cantiga, que é entoada assim:
Adeus, sala, adeus varanda, terreiro de pedraria.
Ô, terreiro de pedraria.

Senhora, dona da casa, adeus, inté outro dia.
Ô, adeus, inté outro dia.


Grupo de Reisado do Senhor Luís
Pia, de Altos


Casa de Festas de Santos Reis, em Altos


Dona Alzira e Senhor Luis Pia, de Altos






O Casal, Dona Alzira e Sr.
Luís Pia

Por Carlos Dias, professor e pesquisador
Entrevistados: D. Alzira Soares e Sr. Luís Pia
Colaboração: Catarina de Sena
Fotos: Terceiro Gil e Carlos Dias